Conversa com Lilian Thuram nas quebradas

Transmitimos uma maneira de pensar o mundo, por que não a questionamos?

O último encontro nas quebradas foi contemplado por uma presença ilustre internacionalmente; Lilian Thuram. Nascido em Guadalupe, em 1972, Thuram teve uma distinta carreira como jogador de futebol, tendo sido campeão do Mundo em 1998. Ele veio para o Brasil convidado pelo Museu de Arte do Rio, como parte da programação do evento África hoje no MAR. O objetivo dessa programação é mostrar a diversidade do continente africano, a cultura contemporânea e desconstruir o antigo pensamento em relação ao continente.

“Quando fui morar em Paris, aos nove anos, em 1981, havia um desenho com duas vacas, uma preta, estúpida, e outra, branca, inteligente. Meus colegas me chamavam pelo nome da preta. Perguntei à minha mãe por que tudo era negativo em relação à cor preta. Ela disse que brancos eram racistas e isso jamais mudaria. Foi fundamental para eu começar a entender o mecanismo do racismo.”

Em 2008, o jogador criou a Fundação Lilian Thuram, Educação contra o Racismo. Ele afirmou: “Nós não nascemos racista, o racismo é, sobretudo, uma construção intelectual. Temos de perceber que a história nos condicionou de geração a geração, a nos ver como negros, brancos, norte-africanos, asiáticos.” O foco da fundação para alcançar seu objetivo é educação. E as ações consistem em produzir materiais didáticos, organizar atividades e eventos, e incutir estes valores através dos pais, da escola e do esporte.

Um dos pontos cruciais do projeto de Lilian é partir para a desconstrução dos mitos projetados em nós sobre e o que é a África. Um deles é que a África está voltada para o passado e que não há nela uma cultura contemporânea. O impacto da diáspora dos povos africanos nas Américas, faz com que a história das populações negras esteja sempre ligada à escravidão, contesta, Lilian. Ele afirma que a vitimização é uma das piores formas de lutar contra o racismo. O que devemos fazer é conhecer os mecanismos sociais que construíram esse tipo de pensamento que degrada a própria ideia do humano.

Lilian também comentou sobre o elo que se faz entre o macaco e o negro, típico racismo científico, a mesma ciência que supõe que evoluímos do macaco, mas o que parece é que a sociedade humana toma o papel inverso, do civil ao bárbaro. O homem aprendeu a transmitir uma maneira de pensar o mundo, porém não aprendeu a desconstruir estes hábitos. A meta é que daqui por diante possamos construir um pensamento consciente para não reproduzirmos as ações que nos corrompem como seres pensadores. Entendermos que a cultura do racismo, sexismo, homofobia e outros preconceitos, são construções ideológicas que determinam a inferioridade da cor, de gênero, e orienta a dinâmica das relações de forças sociais. A crença de superioridade entre nós é uma convenção hierárquica de valores constituídos para obtenção de poder político, econômico e intelectual. Portanto, uma cultura que atua nestes modelos de relações sociais altamente hierárquicos, de introjeção da afirmação de mitos e ideologias (passada de geração pra geração), que são leis incorporadas inquestionavelmente, da segregação, do consenso negativo da cor, da desvalorização das culturas, dos limites do conhecimento de mundo, e das falsas revoluções “Abolição”, “República” “Liberdade, igualdade e fraternidade” na qual creiamos.

Lilian declara que muitas vezes o que projetam sobre nós, nós incorporamos, assim como os discursos de poder. É uma estratégia opressora: oprimir, selecionar, desigualar, direcionar os direitos constitucionais a um mero esquema de interesses particulares. Por isso a educação é importante, porque os ensinamentos dos pais é uma coisa poderosa, afirma Lilian, que completa: -“Quando não se quer conhecer a diversidade da África, também é uma forma de exploração.” E afirma que quanto mais cedo às crianças entrarem em contato com a diversidade e o multiculturalismo, melhor será. Sobretudo, exploramos uns aos outros, seja qual for o viés que encontramos para nos “superiorizarmos”.

Lilian termina dizendo – A história do mundo é algo que pertence a todos nós. Não deveríamos nos limitar a conhecer, apenas, uma cultura.

Dados Complementares:

Vídeo da ganhadora do Oscar, Lupita Nyong’o, sobre a importância da auto-estima na construção do referencial de beleza negra. http://www.youtube.com/watch?v=8wQ9Q7E_KwE&hd=1

Site da Fundação Lilian Thuram – http://www.thuram.org/site/

Thuram, Lilian – Minhas estrelas negras, de Lucy a Barack Obama.

Fanon , Franz – Pele negra  máscara branca.

Filme – 12 anos de escravidão, de Steve McQueen. (USA, 2013). Vencedor do Oscar de melhor filme do ano.

O filme está disponível no site

http://megafilmeshd.net/12-anos-de-escravidao/

Também Indicamos o filme – Entre os muros da escola, de Laurent Cantet. (França, 2008).

 

Octávio Neto e Rafaela Nogueira – Bolsista PIBEX PACC\UFRJ