[polo] Urbanização, afeto, poesia e música no último Território de Manguinhos

O Território Olhares da Periferia sobre transformações urbanas e culturais foi um
verdadeiro mergulho nas políticas de urbanização desenvolvidas pelo estado do RJ nos últimos 50 anos, na visão daqueles que vivenciam e são afetados diretamente por elas.

Os temas arquitetura, urbanização, afetos, cultura, entre outros, permearam as apresentações. Estas, trouxeram fundamentadas e comoventes perspectivas para se repensar, não só a periferia, mas a cidade como um todo.

Gleide Guimarães, que é moradora e desde 2003 faz parte do Laboratório Territorial de
Manguinhos – grupo que integra pesquisadores do Instituto Fiocruz e de comunidades
próximas – apresentou um rico painel histórico e fotográfico sobre o bairro. Manguinhos foi instituído bairro por decreto em 1988 e guarda uma diversidade impressionante no conjunto de 17 comunidades que abriga.

Rosalina Brito explorou o tema “Território: Visão de Dentro” através da história da Cidade de Deus, a partir de sua experiência como moradora e da pesquisa que desenvolve há anos, registrada em seu blog www.cidadededeus-rosalina.blogspot.com. Essa pesquisa inclui entrevistas com antigos moradores e arquitetos que participaram do planejamento inicial. Segundo Rosalina, a CDD foi criada inicialmente para atender funcionários que serviriam de mão-de-obra para a região da Barra, que estaria sendo planejada. No entanto, com a histórica enchente de 1969, desabrigados da favela do Pinto e de outras localidades foram removidos para lá e o projeto inicial foi abandonado aos poucos, dando origem ao verdadeiro caleidoscópio que é hoje a CDD.

Daisy Santiago emocionou a todos falando sobre “As demolições recentes e os afetos”, contando histórias colhidas por ela através de entrevistas especialmente realizadas para esse território, em que tratou do lado afetivo das realocações realizadas e previstas pelo recente PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Segundo ela, seus entrevistados deixam claro que não é apenas uma construção física de tijolo e cimento que está sendo removida, mas a construção de uma vida inteira, dos afetos e memórias individuais e coletivas. A casa vista como um lar, um lugar no mundo para viver lutar e sonhar junto com todos os outros que se unem na mesma luta diária. A emoção contagiou a todos. Além de estar passando por isso com sua família (sua casa está prestes a ser removida), Daisy encantou com os textos que escreve sobre sua experiência pessoal.

Luiz Cláudio falou da diversidade cultural em Manguinhos e apresentou uma crítica à forma como a região é frequentemente tratada pela mídia, que acentua a violência do lugar e ignora o seu potencial. A partir de vários exemplos obtidos por uma pesquisa importante, Luiz Claudio demonstrou que, para além dos problemas sociais enfrentados, ali se produz uma diversidade cultural através de música, dança, teatro e artesanato existentes nas comunidades. O papel destas produções seria como elo que une diferentes comunidades.

Haroldo César pegou uma carona nesse enredo e nos falou sobre a memória do samba, destacando que antes o enredo das Escolas de Samba era feito a partir da composição do samba e hoje acontece o contrário. O que por um lado é negativo, devido ao mercado que surgiu a partir daí, também é positivo, pois para compor o samba é preciso ler a sinopse e o resumo da idéia do carnavalesco para o enredo, o que acrescenta culturalmente para o compositor. Haroldo também apresentou vídeos de carnavais passados e falou da participação das comunidades.

Maura Santiago mostrou a trajetória de uma década do Sarau na Favela, ideia que surgiu no Pré-Vestibular Comunitário para atrair os alunos para a poesia dentro da disciplina de Literatura Brasileira. Daisy, Luiz Cláudio e Maura são saralistas formados na melhor escola: a do sarau da vida. Além de estimular a leitura e a escrita, o grupo já tem um livro com o projeto de editoração pronto. Uma ação de sucesso.

No final, o Sarau de poesia e música tomou conta do ambiente, fechando com chave de ouro mais um Território em Manguinhos.

Texto: Amara Rocha
Colaboração: Joana D’arc Liberato

Foto: “Shantytown” por magandafille – CC BY-NC 2.0