Pós-aula MAR 12: Literatura e a cidade do Rio de Janeiro – Sandra Portugal

Por Rafaela Nogueira – Bolsista PIBEX PACC\UFRJ

A Dina subiu o morro do Pinto
Pra me procurar
Não me encontrando, foi ao morro da Favela
Com a filha da Estela
Pra me perturbar
Mas eu estava lá no morro de São Carlos
Quando ela chegou
Fazendo um escândalo, fazendo quizumba
Dizendo que levou
Meu nome pra macumba
Só porque faz uma semana
Que não deixo uma grana
Pra nossa despesa
Ela pensa que minha vida é uma beleza
Eu dou duro no baralho
Pra poder comer
A minha vida não é mole, não
Entro em cana toda hora sem apelação
Eu já ando assustado, sem paradeiro
Sou um marginal brasileiro

(Nega Dina, Zé Kéti)

 

Sandra Portugal retorna à Universidade das Quebradas, nesta 5ª edição, com o seu trabalho sobre Linguagem e Expressão. Para dar inicio ao encontro do dia 28/10/14, a professora dividiu a turma em grupos e distribuiu letras de músicas. Os grupos tentaram acompanhar as canções. As melodias foram reconhecidas por se tratarem de sambas consagrados de autores como, Cartola, Paulo da Portela e Zé Keti. Sandra pediu que os alunos fizessem um exercício de interpretação, cujas composições abordavam a cidade do Rio de Janeiro.

Estas composições ou visões da cidade representam para Sandra dois sentidos importantes: O primeiro, no sentido geral que transcende o espaço pequeno – o ponto de vista do olhar de cima de um morro, por exemplo, é o olhar mais privilegiado – e pode ver o todo. O segundo ponto de vista pertence ao “homem branco”, aquele que faz a critica – mas tem um olhar de fora – o estrangeiro. Um desses olhares confere ao sambista Zé Kéti, uma referência em termos de música crítica. Em sua época, o compositor era conhecido pelo seu repertório engajado, possuía com originalidade a voz do morro.

Para dar continuidade à questão do tema “cidade”, Sandra selecionou também fotografias para realizar a dinâmica de aula. A partir de um contraste de imagens antigas e atuais da cidade do Rio, que conseguiu gerar surpresa entre os grupos, devido às mudanças ocorridas durante esse período histórico. Isto com o propósito de experimentar em seguida a leitura de textos e perceber de que forma esta cidade era vista e pensada pelos escritores brasileiros. Sandra explicou que a cidade do Rio de Janeiro é uma verdadeira obsessão e uma preocupação constante entre as nossas produções literárias desde a sua invenção. Para mostrar as diferentes perspectivas dos autores e suas visões sobre a cidade, Sandra expôs trechos dos principais autores de nossa literatura. Os trechos utilizados foram:

O romance As mulheres de mantilha, de Joaquim Manuel de Macedo, mostrando o passeio dos personagens pelas ruas da cidade. Em Ao correr da pena, de José de Alencar, um trecho da crônica que traz cenas do cotidiano do Passeio Público. De uma forma mais pedagógica, José de Alencar retrata os hábitos da sociedade carioca do século XIX. Segundo Sandra, o autor influencia o leitor a passar por um processo educativo, para aprender o convívio social da elite, nas suas saídas públicas, similares aos costumes parisienses. Em suma, uma pedagogia social nas práticas sancionadas pela elite mimética. Contrapondo a Machado de Assis em sua crônica datada de 18/12/1892, o narrador-personagem tende a observar cenas do cotidiano com uma perspectiva e até linguagem contemporânea. Ao contrário do pedagógico Alencar, ele utilizará da ironia para convocar as cenas ao leitor e incomodá-lo através da desconstrução dos fatos históricos. A datada crônica é sobre o período de encilhamento na cidade do Rio, na recente República. O encilhamento se tratava da explosão de compra e venda da bolsa de valores, na exaltação de investir dinheiro, desconhecendo o método recém adotado com fim da Monarquia, muitos investimentos faliram. Em Quincas Borba, trecho apresentado, em que dois negros caminham em marcha ao enforcamento, apura outra temática, a da posição do negro na sociedade e do oprimido. Os papéis definidos socialmente ilustram a sintomática presença da ideia de poder. Para Sandra, fundamental, pois se revela uma cidade-personagem que não está mais na condição de cenário de fundo (paisagem). Mas de forma a criar uma identidade, a cidade do Rio de Janeiro se torna elemento ativo, portanto, personagem a ganhar pulsos da sua moldura geográfica e social cultural.

O passeador, de Lima Barreto, revela um personagem observador que não intervém nos acontecimentos citadinos, é mais uma espécie de flâneur. Flâneur, termo do francês que significa passeante ou a atividade de vagar pelos centros urbanos. Flanar estaria ligado à virtude de caminhar aberto às impressões da vida moderna na cidade, sobretudo em Paris. Este personagem é interessante em se tratando de boemia e poesia carioca.

Sandra esclarece que essas relações de escritores com o universo urbano levantam paradigmas e suas contradições. O que compreende serem bases históricas da fundação de uma determinada cultural social. Todos os trechos revelam um pouco da construção da fundação de uma cidade até sua contemporaneidade. Ao citar contistas e cronistas de meados do século XX, José Carlos de Oliveira, Nelson Rodrigues e Rubem Fonseca, se revela uma conjuntura de sociedade marcada pelas ações iniciativas de estruturação e organização. Coube aos escritores obcecados e atraídos o papel de conhecer melhor a cidade e seus problemas. Assim também fizeram os grandes sambistas/poetas/flâneurs inserindo a voz do morro ou da periferia marginal nos meios de comunicação. Segundo Sandra, a cartografia é a palavra chave para estes escritores e poetas. Trata-se de compreender o olhar fisicamente para saber de que forma essa sociedade se desenvolveu.  – É preciso conhecer a história dos seus crimes para entender seu funcionamento.

 

 

Bibliografia

Canções:

Cidade Mulher, Paulo da Portela. Velha Guarda da Portela.

Alagados, Os Paralamas do Sucesso. Selvagem? 1986.

Nega Dina, Zé Kéti. Show Opinião. 1964.

Saiba mais sobre a trajetória do artista:

http://www.dicionariompb.com.br/ze-keti/dados-artisticos

Imagens:

Morro de São Carlos, Estácio. 1933.

Avenida Rio Branco – Sete de Setembro. (?)

Fábrica de usina em Bangu/ Shopping de Bangu. (?)

Praça Tiradentes (?)

Palacete da Princesa Isabel (?)

Citações:

ASSIS, Machado de. Esaú e Jacó. 1904.

___ Contos. Pai contra mãe.

A obra completa de Machado de Assis encontra-se em:

http://machado.mec.gov.br/

BARRETO, Lima. Vida e morte de N. J. Gonzaga de Sá.

OLIVEIRA, José Carlos de. Cãomício no calçadão.

http://www.tirodeletra.com.br/conto_canino/Contocanino-Caomicionocalcadao.htm

RODRIGUES, Nelson. O povo e a rainha. Jornal dos Sports, 10/11/1968.

http://www3.claro.com.br/celular/promocoes-pos/emocao-do-futebol/nelson-explica/cronicas/o-povo-e-a-rainha

FONSECA, Rubem. A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro. Romance negro e outras histórias.

LINS, Paulo. Cidade de Deus. 1997.

MUSSA, Alberto. O senhor do lado esquerdo.