Quebradeiras escrevem sobres as aulas da UQ

Cordel rima com saudade, por Juliana Barreto

1º de Abril. E tudo o que eu não queria era ouvir mentiras no terceiro dia daquela semana tensa.

Foi sentada ali naquela sala branco colorida, em frente àquele homem cujas palavras pareciam mais um orvalho caindo sobre o deserto do que sobrara de minha brasilidade, que rendi meu sossego. O espaço se encheu de som, corpos e poesia. Tudo se fez Cordel.

Ali, aquelas rimas, lidas, cantadas e faladas caíram como num visgo em meus “ses” meus “ais” e me senti matando uma saudade, de não sei.

Uma saudade de algo que ainda não.

Saudade de…, essa saudade que por vezes sauda o peito de todo brasileiro, matuto ou sabido.

Uma saudade forte do que se é, mas que ainda não se viu, ou não se deu conta.

Eu que me buscava feliz nas páginas de uma revista qualquer, quase nunca…me refiz ao me ver no romance, no folheto.

Eu que andava cansada em anúncios, caricaturada, quase sempre… vi  mais de mim num desenho em xilogravura.

Eu que lamentava, me ver despida, nunca quase…me senti adornada em vestido rendado, bordado à mão e em rimas.

Rodopiei mesmo que sentada, com meu vestido cheio de fitas de sextilhas, septilhas, oitavas e décimas.

Eu, que andava muda, naquela tarde fui toda a narrativa em versos. Fui toda a poesia e toda a força Cordélica para viver nesse país de 1º de Abril.

Obrigado Aderaldo!

 

 

Quebrando Paradigmas Sociais, por Maria di Andrea

ÁFRICA
as mãos que
embalam o berço

Foi numa terça-feira, finalzinho de verão no Rio e sem as águas de março por enquanto, que Renato Noguera, professor da Pós- Graduação em Filosofia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, foi compartilhar seu conhecimento com a Universidade das Quebradas. A aula daquele dia era sobre alguns ensinamentos e maneiras de se relacionar da etnia Dagara, tendo como fonte de pesquisa o trabalho de Sobonfú Somé.

Na filosofia Dagara, existe uma dimensão espiritual em todos os relacionamentos independentemente de sua origem. Nessa etnia, as pessoas se ajudam e nunca o problema ou dificuldade delas é só delas e sim dividido por todos da comunidade, pois acreditam que “todos” acabam se beneficiando e crescendo espiritualmente juntos. Como ex, Renato falou sobre a educação de uma criança . Os Dagara entendem que uma criança não deve de maneira nenhuma ser criada somente pelo pai e mãe, pois se um dia eles vierem a faltar, esta se sentirá perdida. Assim, toda comunidade é pai e mãe de todas as crianças nessa pequena aldeia.

Me deu vontade de descobrir qual é o segredo desse povo africano que tem por tradição ancestral essa responsabilidade social dentro da comunidade, e ainda por cima, traz uma solidariedade milenar pelas mãos que embalam o berço de ouro nessa aldeia da África ocidental.

As coisas por aqui no hemisfério sul são tão diferentes nesse aspecto…

Eu por ex, sei a dor e a delícia de ser mãe solteira numa cidade grande, sem férias ou fim de semana longe da minha criança. Mãe-coragem, me descubro a cada dia !

Duplique essa coragem, visto que não tenho “esquema” de condução ou alguém para levar e buscar minha cria no colégio. Triplique meu silêncio, se puder, para não questionar o porquê me incomodo tanto com algumas pessoas que fazem tempestade em copo d’água por tão pouco movimento de servir o próximo nesse loko mundo contemporâneo.

Dois elefantes incomodam,incomodam bem menos que muita gente me incomoda. A invisibilidade me dá desassossego! Contar com a ajuda do outro, por mínima que seja e com o tempo das pessoas que nunca tem tempo numa sociedade individualista que é a nossa, é igual que encontrar ouro em pó no palheiro.

Terça-feira, foi mais um dia de Universidade das Quebradas e perdi a hora em sala de aula envolvida com a literatura de Cordel, a aula de ontem. Esqueci da hora. O envolvimento prega peças. Faltavam poucos minutos para a saída do colégio da minha menina e eu ainda estava no MAR com Cordel. Desesperei!

Já era de noitinha quando cheguei lá . Encontrei ela andando pra lá e pra cá com as pernas –de –pau que tinha levado. Apetrechos circenses, a salvação da espera! Foi a última a sair hoje do colégio.

Uma cumplicidade invadiu nosso abraço e no meio de um suspiro de alívio me perguntou: como foi sua aula mamãe?

Com ela eu sei que sempre e pra sempre posso contar!

Um dia quero poder reconhecer e reencontrar minha comunidade, minha aldeia! Eu sinto que tem muitos iguais a mim nesse mundo de meu Deus e assim como eu, acreditam que é preciso cuidar um dos outros nessa Era, sair dos nossos quadrados e tirar os espinhos da invisibilidade social, para que possamos juntos, formar uma sociedade mais humanizada mesmo dentro do caos urbano que vivemos.

 

 

Literatura de cordel, com Mestre Aderaldo Luciano, por Rogéria Reis

Muitos já sabem do meu amor pela cultura nordestina. Não nasci lá, mas desde pequena sempre fui apelidada de Baiana, e por andar sempre com os longos cabelos armados, meu primo Ivan, me chamava de Gal.
Tinha um tio do Piauí, Teresina, e seu sotaque me chamava a atenção.
Hoje, alguns amigos mais chegados, me chamam de Maria Bonita.
Dos vídeos que existem disponíveis sobre o cangaço, creio que já assisti praticamente todos. Já visitei a Feira de São Cristóvão, que era um grande desejo. Gosto do Caetano, do Gil, da Betânia, da Gal, do Tom Zé, do Zé e Elba Ramalho, do Geraldo Azevedo, do Gonzagão, do Gonzaguinha, do Trio Virgulino e por aí vai numa lista interminável de talentos.
Patativa do Assaré, João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna, Assis Coimbra e pra completar, meu filho João Pedro, que Deus tomou para si, tinha como mãe biológica uma pernambucana. Daí, danou-se, tomei foi mais paixão e arriei os quatro pneus pelo Nordeste.
Pela literatura de cordel, sempre tive o maior respeito. Achava que sabia alguma coisa mas, qual foi minha surpresa na aula do mestre Aderaldo Luciano, grande pesquisador sobre o tema e seus grandes nomes.
Aderaldo afirmou que o cordel segundo suas pesquisas não é sertanejo de origem, mas da região brejeira da Paraíba;
Que o cordel já nasceu escrito e não veio de uma tradição oral.
Que os primeiros cordéis não estavam atrelados às xilogravuras como se pensa e que esta veio algum tempo depois.
E mais, que o cordel surgiu de modo experimental, artesanal sem nenhuma influência com a literatura portuguesa que se saiba.
Que o nome cordel foi dado por um francês que viu alguma semelhança com a poesia de Portugal, esta sim, exposta, pendurada em cordas.
No Brasil eram vendido os folhetos, versos ou romances como eram denominados, em malas e não pendurados em barbantes, como sempre pensamos.
Aderaldo, fala da estruturação poética de um cordel, que é sextilhado com rimas no segundo, quarto e sexto verso, sendo o de 64 verso, denominado romance.
Ele traça a trajetória do cordel desde o seu nascimento até sua chegada no Sudeste e Centro-oeste, com a migração em massa, dos nordestinos.
Os cordéis na sua maioria usavam como temáticas as críticas sociais e o sertanejo era um resignado, oprimido pelo coronelismo, portanto suas poesias não abordariam temáticas sociais.
Discursou um tanto da história dos ilustres cordelistas:
Leandro Gomes de Barros e Manoel D’Almeida Filho.
Contou que a crise dos cordéis artesanais, se deu com as publicações da editora Luzeiro, de São Paulo, em larga escala, dando colorido às capas, como diferencial ao folheto original, produzindo-os e vendendo por preço populares.
Mas, os textos e os direito autorais eram preservados nas negociações entre os poetas e a editora Luzeiro.
Perguntei ao mestre Aderaldo sobre a mulher no cordel e o mesmo contou do relato de uma que adotou o heterônimo masculino de Altino Alagoano,
para que seus cordéis fossem aceitos.
Agora sim, creio que estou sabendo algo sobre a literatura de cordel.
Obrigada, Mestre Aderaldo Luciano, por compartilhar conosco, a aura do seu saber.