Aula Show de André Gardel

Aula show deveria ser coisa de todo dia.

A Adriana Baptista comentou: – Já pensou uma aula dessas nas escolas? Já pensei sim querida, seria mesmo tudo de bom! É tudo que as escolas estão precisando hoje em dia, educação cultural!

O professor André não gosta de pensar em linha evolutiva, prefere linha de passe entre bambas, que é coisa que se dá nas ruas da cidade.

Canta Pelo telefone, conhecido como o primeiro samba gravado por Donga, mas que segundo os entendidos do assunto, foi mesmo criação coletiva, bem ao jeito popular, em uma festa que durou oito dias na casa de D. Ciata.

Canta O orvalho vem caindo de Noel Rosa para mostrar a diferença entre o samba maxixado, de Sinhô, lá da Cidade Nova (inspirado na polca sensual ouvida nos prostíbulos), e o samba moderno do pessoal do Estácio, com melodia que tem nota mais longa e ritmo mais marcado.

Está pensando que é fácil ser incluído entre os bambas? Coisa muitíssimo exigida e complicada, só conseguiu Noel este privilégio, pelo fato dele provavelmente ter dado algumas parcerias contra o passe livre neste ambiente, que foi o berço da nossa música. Mas tudo isso aconteceu muito antes dela ser legitimada como representante oficial da nossa brasilidade.

Sendo assim nosso professor, cantor e tocador de um violão do mais alto quilate, citou os 3 núcleos temáticos para o estudo do nascimento do samba e, nas suas palavras, da “mercadologização” da música popular.

  1. Os cronistas da cidade, que faziam a crítica ao poder, e defendiam a mudança de costumes e atores urbanos
  2. As polêmicas musicais
  3. O amor

André nos contou que mesmo antes da era do marketing, Sinhô já se auto promovia constantemente. Era a estratégia de sobrevivência de um compositor marginalizado, um “língua de trapo” intragável, que para este fim dedicou muitas de suas músicas a figurões como Roberto Marinho, Oswald de Andrade e outros.

Os sambistas urbanos sonoros eram como Hermes e Mercúrio atuando entre os homens e os deuses. Sinhô era um mensageiro transcultural, atravessando a cidade e fazendo ponte, por exemplo, entre o bandido das Sete Coroas no Morro da Favela, inaccessível para muitos, e a elite de intelectuais. Sinhô foi Professor de violão de Mario Reis. E Gardel canta música homônima.

No encontro entre intelectuais e artistas populares dá-se uma esquizofrenia, pois sempre houve grande mistura. Sinhô semianalfabeto e Noel era filho letrado de classe média. Porém, o primeiro trazia resíduos da retórica romântico-parnasiana simbolista nas suas letras, enquanto o segundo criou uma poética coloquial sofisticada sem igual, tentando tirar do samba a “pecha” de bandido, de coisa nascida em ambientes barra pesada, onde só se encontravam bambas de alto nível, no qual Noel só penetrou dando de presente algumas parcerias.

Assim o samba se torna legítimo para a radio, na época ainda nascente como representante da brasilidade em todo o território nacional.
E então é a vez de Cinema Falado de Noel Rosa.

A questão da língua falada e da língua literária é pertinente ao samba. Trazer a língua falada para a literatura, foi uma incrível habilidade de Noel. A cultura letrada no caso, vem à reboque da cultura oral, que no Brasil dá o salto para o áudiovisual.

Sinhô não chega a pegar a radio. Morre em 1930, ano que Noel estourou com seu primeiro grande sucesso: Com que roupa?.

Até então é comum com os artistas populares, anteriores a era dos direitos autorais, recriarem sobre mesmos temas.

Apareceram então os maestros partituradores, como Homero Dorneles que descobriu na Com que roupa um início semelhante ao Hino Nacional! E modificou um pouco as notas para não dar problemas!

Antes de cantar musicas emblemáticas de amor como Jura e 10 vezes, Andre Gradel conclui declarando em alto e bom som que o samba puro não existe!

E canta Cocaína de Sinhô, um tango feito para o teatro de revista, de 1923, dedicado a Roberto Marinho, então com apenas 19 anos.

Mario de Andrade é o grande culpado disso por ter saído pelo Brasil buscando pureza, raízes únicas e autenticidades inexistentes na realidade e ele mesmo mais tarde reconhece!

Para encerrar André Gardel afirmou: – O samba sempre foi uma enorme de uma miscelânea, mesmo o samba de raiz, o samba rural, já é uma miscelânea. Está tudo misturado! Viva a mistura!

Por Rute Casoy 28 de abril de 2013
Foto Rosângela Gomes