Fragilidade nas pontas dos dedos

Mozileide Neri

É com um receio tão profundo. É com medo. Medo de capturar o instante. Não que eu quisesse ser outra, mas deveria estar pronta para alcançar a morte. A possibilidade do talvez começou a me atormentar, a me causar dor. Eu, geometricamente abstrata, uma linha torta e solta, uma curva sem direção, cor de contemplação, aquarela sem profundidade, nanquim forte demais; tudo isso sou eu. Eu, perdida em meio a pedras e ouriços do mar. Ah, como eu queria ter o veneno de um espinho negro e afiado daquele ouriço. Como eu queria ser outra. Vivo à beira do imprevisível, do possível sem preposição adequada. Vivo sem normas, sem música ao fundo.

Quando cheguei à margem do precipício vi outras de mim esperando o exato momento da desistência. Suicídio é coisa tola. Coisa de quem nunca soube ser livre. E liberdade é algo tão difícil de compreender (e de sentir). É como se fosse um labirinto onde percorremos a vida inteira e nunca acharemos a saída. Liberdade é uma alegria inesperada (passageira). Então quantos precipícios há dentro de nós? Olhei para mim e não me vi. Não enxerguei o óbvio. Deslizei entre receios e medos ainda não nomeados. Caí entre ondas selvagens, pedras silenciosas, entre ouriços do mar e água insuportavelmente salgada. Era o fim. Era a liberdade inexistente. O grito rasgado de uma dor possível. Era eu e eu. Ninguém me alcançaria, ninguém sentiria o cheiro do meu medo. A água salgada me possuía. Precisava ser livre, precisava sair, precisava ser precisa.

Foi com uma vontade de viver, de ser livre que eu saí. Olhei para mim e me vi; havia sangue e espinhos nas pontas dos dedos, havia medo nos meus olhos salgados, havia liberdade entre os meus lábios. Havia uma fragilidade entrelaçada a mim. Então me olhei novamente, me reconheci e me amei.

O que te escrevo aqui foi real e estou livre.

Arte a partir de foto de Susanne Nilsjo