Garrafas ao mar

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Nosso caminho começou com a seguinte questão: quando a universidade das Quebradas se transfere para o Museu de Arte do Rio (MAR), como poderiam os artistas quebradeiros construir uma parceria, ativa e inventiva, para que chegassem ao museu as múltiplas experiências e produções artísticas dos diferentes territórios que cobrem o mapa da cidade e evidenciassem as muitas cidades que habitam o Rio de Janeiro? Como criar um percurso de invenção prática, estética e coletiva?

Crescendo ao longo de 2013, as discussões nos levaram à formação de um grupo de pesquisadores artistas quebradeiros. O grupo (Angelo Mello, Fábio Augusto Pedrosa, Denise Kosta, Noélia Albuquerque, Juliana Barreto e outros, como a Karen Kristien e a Priscila Mediros, eventuais, mas sempre curiosos, que torcem pela aventura dos colegas) passou a se reunir uma vez por semana desde janeiro de 2014, com a presença preciosa dos artistas e professores Beá Meira e Egeu Laus.

Juntos, fomos conhecendo um pouco mais uns dos outros, modos de vida, trabalhos, aspirações, dificuldades e formas de se reinventarem pelos atravessamentos que a cidade encarna em cada um. Contar a própria história é contar a história da cidade que habitamos. E como ela nos aproxima e nos afasta! Aproximar é luta renhida!

Para além do conhecido, também acolhemos o estrangeiro que pode nos habitar. Começamos a buscar novos olhares, desmanchados do conhecido e abertos às pessoas e às paisagens de nós mesmos. E aí passamos a falar com a cidade e não mais sobre a cidade, trazendo as vivências da cidade que vão nos esculpindo.

Uma profusão de ideias: a cidade com que sonhamos, as histórias que não se escrevem, as conexões invisíveis que nos atravessam, a multitude de pessoas que formam a cidade, as vivências de muitos nas muitas cidades que habitam, a invisibilidade como recusa, mas também como estratégia de existência e mais e mais… Usando de outras linguagens – fotografia, desenho, pintura, performance, composições, pesquisa em jornal, internet, autores–, pesquisamos formas de intervenção e de invenção de novos territórios.

Desenhando o percurso que cada um faz para chegar ao MAR, radiografamos distâncias, diferentes meios de transporte, variações de humor que num só dia nos leva de anjos a demônios, eventos que criam uma liga de solidariedade, mas pontes que despencam e matam um pouquinho de cada um, crônicas que cotidianamente se escrevem, novas versões de violência e sonhos de uma cidade possível.

O que pulsa em cada um quando atravessa essa cidade?

Num segundo tempo, começamos a levantar o que cada um traz em si do seu território, marcado no corpo. Ancestralidade, infâncias de si, infâncias do mundo, os verdes que nos inspiram, sabores, aromas, brincadeiras, canções, danças, poesia, lembranças de velhos, festas religiosas, monumentos, praças de encontros, figuras, modos de fazer e passar conhecimento e muito, muito mais.

O elemento água ganhou cena para falar das ideias do grupo; movimento, força, plasticidade, vida, nascentes, que buscam passagens ora por aqui, ora por ali. O Rio de Janeiro foi se redesenhando numa trama de rios. Os rios que, na força dos encontros, buscam o seu destino que é desaguar no mar.

Assim, o grupo formulou os RIOS que deságuam no MAR.

De que é feito o rio que atravessa cada quebradeiro? O que cada quebradeiro quer ver passar? Juntar isso virou a nova tarefa. Reunir num documento.

Chegamos ao terceiro tempo do percurso, que foi lançar um manifesto quebradeiro. O que comporia esse manifesto, o que nos move, o que precisa ser quebrado? Nesse momento contamos com a grande parceria da Prof. Sandra Portugal e do José Henrique, que sustentaram um campo de reflexões sobre o fazer crônica, matéria do cotidiano, que nos permite sair e voltar diferentes, com um novo olhar sobre aquilo que se mostra tão naturalizado. Agora, com o manifesto nas mãos, vamos lançá-lo ao mar, e que ele contagie as correntes e multiplique as múltiplas cidades que habitam a cidade. Quiçá mais alegre generosa.

Com o manifesto em mãos, partiremos para a última etapa desse percurso, que é a transformação do mapa do primeiro dia de aula, no dia da Chegança, para além dos nomes dos quebradeiros, incluir o que pulsa em cada um do lugar de onde se vem.

 

Manifesto quebradeiro em construção

  • A cidade que se ama tem sua lógica ambiental.
  • Que o mobiliário urbano seja voltado essencialmente para o humano.
  • Que nunca deixemos nossos sonhos de construir um país digno e valoroso, com irmãos de pátria e iguais morram em nossas gargantas.
  • Andemos de mãos dadas. Quem faz junto coopera, quem fala mal compete.
  • A verdadeira cultura alternativa tem de ter seu espaço legítimo .
  • Por uma cidade que se encontre olho no olho na mesma rua que frequenta.
  • Não se cale maré, das ondas criadoras das próprias terras. Onde alicerçou as casa de palafitas.
  • Que o presente não construa somente o futuro, mas também o passado.
  • Que as cidades e pessoas se atrasem, quando tiverem suas pressas.
  • Que tirem o “R” do se armem e todos se amem. Que não façamos na urna, o mesmo que fazemos na privada.
  • Uma cidade que dança na sua liberdade, a latência de corpos castrados por uma ignorância opressora.
  • Os que habitam nessa terra maravilhosa acordem para a importância de sua beleza e preservação de seus mananciais, e para a destruição de sua identidade que empobrece as referências do legado deixado por seus ancestrais.
  • Que os construtores da economia atentem pela ética da justiça aos olhos abertos sobre os altos de seus montes.
  • O Rio não é mais aquele, mas continua lindo e se esvaindo.
  • Ano é de eleição, quero escolher! Homens ou mulheres? Quero cidadãos, quero bons corações.
  • Por uma cidade de carne, humana, como nós. Uma cidade feita de nós, por nós, em nós (cegos ou não).
  • Amar a arte que miro no mar.
  • Que sejam poéticas as ondas da foz deste rio. De janeiro a janeiro que sejam proféticas nossas maravilhas as margens. Nós marginais.
  • Travessia, um rio que se manifesta, cria…
  • Que a paisagem tenha mais árvore e espaço do que meros ferro e aço.
  • Que a cidade seja a cidade por inteiro, e não apenas parte dela, se dividindo em centro e periferia ou zona norte ou zona sul.
  • Não acredito em um Deus que não dance.
  • Homens que pensam que o corpo é bibelô estéril como enfeite que não encantam.
  • Que possamos viver com liberdade e não prisioneiros das necessidades nessa cidade.
  • E que nesse Rio amor seja verbo!
  • MEU RIO
    Carente
    Insegura
    Desrespeitada
    Atacada
    Densa
    Espera uma rendição para alcançar a redenção

Orlando Rangel
Sandra Maya – sam4525@gmail.com
Edmar Júnior Oliveira – edmarpersonalidade@gmail.com
Feijah
Felipe Boaventura
Mônica Rocha
Isabel Barreto – bebel.bento@hotmail.com)
Nuno DV
Jessica Castro
Sonja2000
Rogéria Reis
Chica Fernandes
Sem autor – ferpanticor@gmail.com
Mauro Cleverson
Darlan
Sem autor – nalbfoto@hotmail.com
Imaculada Conceição
Rafaela Nogueira
Teresa Gil
Cristina Hare
Romualdo Vierira de Mello – romualdovieirademello@yahoo.com.br

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