Iluminando caminhos

Uma experiência inesquecível foi conhecer Heloisa Buarque de Hollanda, quando ela era orientadora de Numa Ciro. Sabia eu, que Numa se preparava para essa empreitada e que não se intimidava; escrevia e encantava sobre um recorte difícil para enquadrar a Academia: o hip hop!  Numa virou mãe do rap e deslumbrou-nos com assunto que vinha das periferias. Fui ver in loco a defesa, encontrar amigos queridos e vi Helô, contemplando a tudo e a todos. Atenta, percebi o movimento contrário, de fora para dentro, um jubilo! Nossa Numa, como Socorro, foi ovacionada e virou doutora. Esta era a última tese que Helô orientava. Fiquei fascinada com a sua objetividade, e em vê-la cumprindo o processo de olhar, examinar e sondar o material que está além do consciente, sendo portanto, muitas vezes, surpreendente no seu conteúdo e no seu tratamento, sempre de alto valor.

Algum tempo depois, fui a um evento em Furnas, do Nós do Morro,  e a reencontrei. Foi simpaticíssima quando a cumprimentei, e fui logo falando: “Sei que você já se aposentou, mas se fosse defender uma tese, gostaria que fosse minha orientadora!” Rapidamente ela devolveu: “Sobre o que seria?” Respondi prontamente: “A Insustentável Leveza de Ser” (não igual ao livro de Kundera). Minha ideia era usar, a princípio, os versos do poeta persa Rumi, do século XII. Ela falou que em Letras talvez esse assunto não funcionasse, e alegremente comentou sobre Numa, que iria estrear naquela noite sua récita na Casa do Saber, e me convidou a ir com ela. Como já estava acompanhada, renunciei à carona e fiquei a pensar como seria rico este passeio até a Lagoa.

Outro dia, na biblioteca circular da Universidade das Quebradas, dei de cara com o livro Escolhas, escrito por ela. Comecei a ler com cuidado, e fui descobrindo essa guerreira que foi abrindo trincheiras e captando pessoas e sentimentos verdadeiros — apavorantes para uns, mas não para ela; essencial em sua natureza magnética. A prosa é leve, levíssima. Não conseguia parar de ler. Foi me levando a conhecer suas parcerias, seus vínculos com orientandos, viagens em inglês, francês ou castelhano faziam parte de sua animação, desdobramento em palestras. O sol, as estrelas novas e a lua, assim como as questões dos seres humanos a interessavam, sempre com generosidade. Sua natureza expansiva/natural tem a capacidade miraculosa de sobreviver a cada dádiva positiva como a chuva a cada consequência do destino, e são encaradas por ela com elegância, inteligência e persistência para viver por muito tempo para o bem ou não. As letras de Helô, seja em ofícios, memorandos na vida acadêmica ou em palestras com mulheres na América do Sul, descrevem a comunicação com o mundo da alma e a participação do destino como uma dança de vida ou de morte. Um flerte, um vínculo visível composto de resistência que passa por dias e noites mágicas… Chego guiada por sua narrativa a uma festa, em 1968, na qual houve 18 divórcios, inclusive o dela! Ri muito dessa confissão, uma quebrada, uma virada na vida.

Suas escolhas são compartilhadas, algo gerado em ciclos e distribuídos nos fluxos e refluxos… São sensíveis como a areia é sensível à onda; a expansão de vida descoberta pelo seu amor subterrâneo vindo à tona, e traz o cheiro de lenha queimando.

Planto no meu coração um pé de mandacaru e aguardo a flor branca, o fruto vermelho para lhe ofertar.

 

por Clarice Azul