Mônica Rocha fala do livro Trajetórias de Mestres

Trajetórias de Mestres - Cidade de Deus / Mônica Rocha e Joacir RiosDa arte para a memória. A quebradeira Mônica Rocha e o mestre de viola caipira, Joacir Rios, escreveram o livro Trajetória de Mestres. A obra conta a história de artistas populares da Cidade de Deus com o intuito de eternizar o saber, e assim deixar esse legado para outras gerações. Confira abaixo a entrevista com a autora:

De onde surgiu a ideia de escrever
um livro?

Jacarepaguá , Cidade de Deus são cenários por onde povoam personagens interessantíssimos. Quando menina era encantada com as contagens de histórias, rodas de ciranda, o quilombo do camorim,  visita da folia de Reis, a voz aveludada do José Teixeira contando causos, surgiu o Bumba meu Jacarepaguá. Em 2010 senti necessidade da fala da CDD nas comemorações do bairro. O Jornal a notícia por quem vive foi um meio de falar dos nossos valorosos mestre. Em novembro participei do terceiro premio mestres populares na UFRJ, daí fiquei mais determinada em organizar nossos mestres e saberes. 

Quanto tempo levou?

É sempre um prazer registrar as falas e manifestações culturais na comunidade, que acho o nosso diferencial, é necessário catalogar. Acho que venho há mais de um ano conversando, gravando e registrando a atuação de quem vejo a importância de preservar o acervo genuinamente expressivo da Cidade de Deus ou Jacarepagúa

 

Qual a importância do tema?

Faz parte da minha capacidade de permanecer encantada, sensibilizada cada vez que sou tocada no meu cotidiano local por intensas narrações, ou viola caipira e fortalecida com a memória cheia de signos, forças, e relevância de arquétipos da humanidade, mitos e tradições autênticas do povoado. Os personagens com quem eu convivo, alguns do tempo de menina, são homens premiados no mundo. Falta pesquisa para abalizar o patrimônio cultural dos mestres populares. Os mega eventos não podem descrever a dinâmica artística de um samba de roda do Mestre Derli, ou a ressonância de um berrante tocado por Joacir Rios. Mas afetam a qualidade de vida local e internacional, já que muitos estrangeiros vem participar de nossas rodas. O Rio de Janeiro tem um legado que o brasileiro precisa conhecer, manter e saborear.

Quais foram as dificuldades encontradas?

A dificuldade de uma população pobre, de trabalhadores. Dedicar o dia inteiro e descansar para trabalhar mais é não pensar, não planejar estratégias de manutenção e desenvolvimento da sua folia, ou roda de violeiros. Se não intervimos de forma a preservar, fomentar, participando de editais e até nos transformando em ponto de cultura, caímos no esfriamento de fazeres criativos. Se perdermos o espaço das praças e não temos um espaço físico para preservar o nosso material, confeccionar e ensaiar ficamos muito limitados. Cada vez mais é necessário escrever sobre várias óticas, criando oportunidade urgente da memoria e comunicando ao mundo nossas crenças, imaginário inventivo, dúvidas, tramas criando novos desequilíbrios, ampliando visões originais de uma nação. Pensar criticamente na produção cultural da favela.


Como e onde foi o lançamento?

Já foi feito um pré-lançamento na laje, com churrasco organizado pelos jovens. No dia 10 de setembro, em Jacarepaguá. Mas estamos programando com o SESC, que pediu parceria para ano que vem, com uma produção no espaço vizinho ao nosso teatro.

Você já conhecia todos os personagens?

O bom é o convívio com todos os personagens e as várias horas ouvindo seus relatos e descrição do que nos marca como população de favela. Muitas fotos, áudios, herança de costumes e improvisos. Aí está meu questionamento diante de tantas mudanças: Como estruturar com mais conforto e dignidade  nossas  vivências, festejos e tradição oral? Cada mestre me presenteia com a gentileza de compartilhar sonhos, escritas, fragilidades e superação.

 

Como foi seu trabalho com Joacir Rios?

O Joacir Rios que é um luthier caipira de precisão, mestre calmo em sua atuação, tocou o projeto com paciência e determinação. Escolhemos mestres da nossa relação, o que facilitou o começo do nosso depoimento. A secretaria de cultura, o MINC, proporcionou o apoio passando maior segurança ao ritmo do Joacir Rios, e fomos enfrentando um tempo que ainda é pouco, recolhi algumas escritas, do Joacir, Tuca, Carlos Ferreira, já que o idoso tem URGÊNCIA DE VER SEU TRABALHO ACONTECER. E ELES ACRESCENTAM MAIOR VALOR AO LIVRO. 

De que forma conseguiu publicar o livro?

A publicação contou com apoio dos micro projetos, Mais cultura, MINC. Sou uma contadora de história que apenas deu o pontapé inicial, falta muito causo, do Seu Alfredo, Padre Julio, João Batista, Tuca e muito mais da sabedoria de um povo que cativa, fascina com seu olhar e dança o existir. A editora foi a livre Expressão. Estamos aprendendo com cada traço e já pensando no futuro editar um livro maior e mais colorido. Com maior participação; os mestres por eles mesmos.

 

O que você sente hoje vendo o trabalho pronto?

Ficou sentimento que tenho, muito mais para contar, do inacabado, e muita vontade da continuidade, o recorte de tramas muito mais inusitadas, a idade  que vem desafiando o tempo e me faz querer registrar mais da vibrante relíquia das vozes raras da CDD.

A Universidade das Quebradas parabeniza a quebradeira pela publicação do livro!

Por
Mariana Mauro (Bolsista PIBEX – ECO/UFRJ)