Racismo made in Brasil

Por Tássia di Carvalho – Quebradeira da 4ª edição da Universidade das Quebradas

Em meio a uma conversa se um rapaz sofreu ou não um dos vários tipos de preconceito baseado na cor da pele que negros de periferia como eu sofremos, vi que o conceito que tem sido tão ampliado nos últimos anos ainda é um tanto ou quanto obscuro para muita gente. Um colega respondeu que o que o rapaz sofreu não é racismo, porque não o xingaram de nada, não disseram nada pejorativo. Senti que era hora de conversar: O que afinal é racismo nesse país de meu Deus? Honestamente me considero vítima corriqueira de racismo. É raro passar um dia inteiro sem nenhum tipo de preconceito. Você pode me perguntar: aonde Tássia, aonde está esse racismo que você diz sofrer. Está além da minha cor, está além das cicatrizes, o preconceito que sofro está no meu cabelo. Mesmo em pleno século XXI, ser uma negra que assume seu black é algo que em algumas pessoas desperta curiosidade. Pedem para tocar. Sentir. Desperta também fúria, alguns sugerem relaxar, quem sabe alisar. A maioria olha, torce o bico, vira a cara. Virar a cara por causa do meu cabelo, da minha pele é racismo e ponto. É uma forma de me subestimar, de me denigrir por eu ser negra, por ter decidido não mais ser refém desta sociedade branquizadora. Porque o meu cabelo “duro”, como dizem e pensam, pode ser tão ofensivo? Sou completamente avessa a padronizações, e descobri que ao assumir-me completamente negra, com nagôs e com a juba sem forma, acentuada por um pente que parece um garfo, irrita. Meu pente é um irrita racistas, irritador de neonazistas enrustidos. Descobri que me assumir como negra que usa turbante me taxa de macumbeira. Ouço orações e cânticos quando o uso. De vez em quando, não resisto, e canto junto. Não, não estou evangelizada, já sou evangelizada de nascença, neta de pastores, sobrinha de mais pastores, filha de teóloga. Não, não cedi a nenhum culto afro-brasileiro, tenho minha fé cristã firme e acredito que usar um turbante vai além de ser de uma religião, é algo cultural, que está na minha descendência africana. O racismo não está apenas enrustido no branco contra o negro, mas apresenta-se de forma mais assustadora ainda quando cometido por outro negro. Uma vez, um colega angolano disse-me que eu não era negra de verdade, que eu não saberia o que é ser negra, que negro é ele. Eu sou mestiça. Sim, sou mestiça, tataraneta de judeu, bisneta de portugueses com índios, nascida e criada na Baixada. Desde pequena carregando água no lombo. Taxada de feia por ser uma das poucas negrinhas naquele jardim de infância particular. Minha mãe me criou sem dinheiro, mas como professora, sempre conseguiu que eu estudasse gratuitamente nos colégios que ela trabalhou. Era preconceito duplo, talvez triplo. Preta, pobre, em bons colégios? Como? Essa dúvida se chama racismo, essa ideia dúbia é puro racismo transcorrendo da veia da sociedade. Uma sociedade que mesmo miscigenada tenta, em vão, combater os traços mais marcantes da nossa cultura afro.